Contratação de Funcionários se Torna Desafio para o Comércio em Mogi das Cruzes

 A dificuldade em encontrar profissionais dispostos a ocupar vagas no comércio de Mogi das Cruzes tem sido uma constante desde a pandemia de Covid-19. Escalas de trabalho consideradas desgastantes, baixos salários e a busca por equilíbrio entre vida pessoal e profissional são fatores que influenciam na decisão dos candidatos. Comerciantes da cidade relatam que diversas vagas permanecem abertas por meses, mesmo em setores com alta demanda, como vendas e atendimento.

Segundo a recrutadora Aline Zaniboni, que atua em uma assessoria de recursos humanos, o cenário já se arrasta há cerca de dois anos. “A pandemia mudou tudo. Hoje, a prioridade dos profissionais é ter qualidade de vida. A escala 6x1, por exemplo, é um dos grandes entraves. Tenho vaga em shopping aberta há mais de três meses e os candidatos recusam por não quererem trabalhar domingos e feriados”, afirma.

Esse comportamento reflete uma mudança cultural e geracional. Paul Ferreira, professor de estratégia e liderança da FGV, explica que as novas gerações enxergam o trabalho de forma diferente. “Antes, havia a ideia de se sacrificar hoje para ter sucesso no futuro. Agora, os jovens priorizam o presente, mesmo que isso traga mais incertezas”, analisa.

Rotatividade e vagas não preenchidas

A realidade tem impactado diretamente os comerciantes locais. Rachid Sleiman, dono de uma loja de veículos no Centro de Mogi há 41 anos, relata estar há seis meses com duas vagas abertas. “Nos últimos cinco anos, só consegui manter um funcionário por mais de um mês. Os demais pedem demissão em 15 ou 20 dias, sem motivo aparente”, diz.

O problema se estende para além do setor automotivo. Uma padaria tradicional no bairro Parque Monte Líbano deixou de abrir aos domingos por não conseguir contratar funcionários dispostos a trabalhar nesse dia.

De acordo com Valterli Martinez, presidente do Sincomércio (Sindicato do Comércio Varejista de Mogi das Cruzes e Região), atualmente há entre 30 e 50 vagas abertas no comércio do Alto Tietê. A expectativa é que esse número aumente significativamente com a aproximação de datas comemorativas, como o Dia das Crianças, Black Friday e Natal, quando são esperadas entre 1,8 mil e 2,5 mil contratações temporárias.

“O desafio de preencher essas funções se intensificou no pós-pandemia. Muitos trabalhadores migraram para setores mais flexíveis ou começaram a atuar de forma autônoma. Hoje, encontrar e reter profissionais no varejo exige novas estratégias”, explica Martinez.

Busca por flexibilidade e propósito

Entre as estratégias adotadas pelo sindicato está a criação de um programa que conecta empresas a profissionais, oferecendo capacitação em parceria com o Sebrae e o Sesc.

Para os especialistas, o trabalho formal deixou de ser prioridade para muitos. “Hoje, os jovens preferem fazer trabalhos temporários ou freelancers que atendam às necessidades do momento. Eles estão mais exigentes e valorizam o equilíbrio entre remuneração e qualidade de vida”, afirma Paul Ferreira.

Segundo Aline Zaniboni, até mesmo em áreas técnicas a contratação se tornou mais difícil. “Tenho cinco vagas para técnicos em mecatrônica, com escala 5x2 e sem exigência de experiência. Mesmo assim, os candidatos recusam, pedindo salários acima de R$ 3 mil.”

Essa postura reflete uma tendência: a estabilidade, antes valorizada pelo trabalhador, agora preocupa mais o empresário. A troca de emprego por uma proposta com apenas R$ 100 a mais no salário se tornou comum.

Quando a mudança dá resultado

Em Mogi das Cruzes, uma hamburgueria conseguiu reduzir a rotatividade ao alterar a escala dos funcionários de 6x1 para 5x2. Christopher Sousa, atual gerente, relata que a mudança impactou positivamente sua vida pessoal e saúde mental. “Antes, eu trabalhava seis dias por semana e descansava apenas no domingo. Agora, com dois dias de folga, tenho mais tempo com minha família e descanso de verdade”, conta.

O proprietário do restaurante, Bruno Neris, percebeu que a rotatividade frequente impactava diretamente a produtividade. “A mudança exigiu mais contratações e organização, mas trouxe mais estabilidade. O custo inicial se pagou com a redução na saída de funcionários e melhora no desempenho”, explica. Ele contratou apenas um funcionário a mais e manteve a mesma carga horária para os colaboradores.

Como reter talentos no novo cenário

Ferreira aponta quatro medidas para enfrentar os novos desafios na gestão de pessoas:

  1. Melhores salários – Profissionais de áreas mais exigentes devem ser melhor remunerados;

  2. Flexibilidade – Seja geográfica ou de horário, a flexibilidade é valorizada pelos profissionais;

  3. Desenvolvimento de competências – Empresas devem investir na qualificação dos funcionários;

  4. Nova lógica de trabalho – Escalas como 4x3 podem ser benéficas, mas demandam estrutura, qualificação e redução de tributos para serem viáveis, especialmente em pequenas e médias empresas.

O pesquisador também critica o modelo antigo de “caça aos talentos”, comum em grandes empresas. “É preciso investir no desenvolvimento de quem está na base, não apenas nos que já se destacam. O foco deve ser elevar o nível médio, e não apenas apostar nos 10 melhores”, conclui.

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