Nove cavalos morreram nos últimos dois meses em uma chácara na zona rural de Guarulhos, na Grande São Paulo, após consumirem ração da empresa Nutratta Nutrição Animal Ltda., que está sob investigação por contaminação de produtos. As duas mortes mais recentes ocorreram nesta terça-feira (1º), segundo o criador Marcos Barbosa.
“Um cavalo passou a noite rodando em círculos na baia e uma égua tentava morder a parede. Com todos foi assim, como se tivessem enlouquecido”, contou Barbosa
No último dia 25, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) proibiu a comercialização de todos os produtos da Nutratta fabricados a partir de novembro de 2024, após identificar a presença de substâncias tóxicas nas rações. A medida foi tomada após casos de intoxicação e mortes de animais em várias regiões do país, desde abril deste ano.
Segundo o Mapa, a ração foi contaminada por monocrotalina, uma toxina presente em plantas do tipo crotalária, que causa danos neurológicos e hepáticos graves, podendo levar à morte.
Sintomas e prejuízos
Barbosa relata que os sintomas surgiram dias ou semanas após o consumo da ração e incluíam desorientação, mudanças de comportamento, distúrbios do sono e dificuldade para caminhar. A primeira morte em seu haras ocorreu em 16 de maio, antes da proibição oficial. Até o momento, cerca de 30 cavalos da propriedade já haviam consumido a ração suspeita.
O comerciante afirma que chegou a pedir assistência da empresa, que teria enviado um representante e recolhido 110 sacos da ração. “Solicitei que mandassem veterinários, mas nunca retornaram. Precisei usar remédios caríssimos por conta própria”, lamentou. O prejuízo financeiro dele é estimado em R$ 700 mil.
Casos se espalham pelo Brasil
De acordo com um levantamento feito pela advogada Alessandra Agurussi, que representa criadores afetados, pelo menos 645 animais já morreram em seis estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Alagoas. Só em São Paulo, foram registrados 287 óbitos. Outros 368 animais seguem em tratamento e 199 estão sob observação.
“A ração não poupou ninguém: atingiu animais novos, velhos, com ou sem registro, de alto ou baixo valor. É a maior contaminação já registrada no Brasil”, afirma Alessandra. Ela também relatou suspeitas de mortes de cães e bovinos, o que pode indicar uma contaminação ainda mais ampla.
Sem cura conhecida
A veterinária Marcella Batista, que perdeu dois cavalos em Cabreúva (SP), explicou que não existe cura definitiva para esse tipo de intoxicação. “O tratamento é apenas de suporte, com soro e antitóxicos. Em muitos casos, a eutanásia se torna necessária para evitar o sofrimento extremo dos animais.”
Ela recomenda que criadores que tenham usado a ração façam exames de enzimas hepáticas nos animais, mesmo que estejam assintomáticos.
Irregularidades na produção
O ofício do Ministério da Agricultura aponta falhas graves na produção da Nutratta, como:
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Falta de controle e separação de matérias-primas (como torta de algodão, resíduo de soja e feno);
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Uso de ingredientes não autorizados;
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Ausência de rastreabilidade dos lotes.
Esses problemas dificultam a identificação dos produtos contaminados, o que aumentou a gravidade da crise. As análises foram realizadas em Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária, com base em amostras de rações recolhidas nos locais onde ocorreram as mortes.
Empresa e autoridades não se pronunciaram
Até a última atualização desta reportagem, o Ministério da Agricultura e o escritório de advocacia Diêgo Vilela, que representa a Nutratta, não haviam se manifestado.