O processo de remoção de famílias da Favela do Moinho, no Centro de São Paulo, teve início no final de abril e já impactou a vida de 181 famílias até esta terça-feira (13). Dessas, apenas quatro foram realocadas em residências permanentes. As demais optaram por receber um auxílio-moradia de R$ 800 enquanto aguardam uma solução definitiva.
O reassentamento ocorre em meio a uma disputa entre o governo estadual e o crime organizado pelo controle da área, onde a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende implantar um parque. O terreno pertence à União, e a cessão ao estado foi condicionada pelo governo federal à garantia de habitação digna para todos os moradores.
Na última terça-feira, o governo federal questionou a presença policial nas ações de remoção e anunciou a suspensão do processo de transferência da área.
Recomeço distante
Francisca Lima, 42 anos, trabalhadora da limpeza, viveu os últimos cinco anos no Moinho com as filhas, em uma casa modesta sem água encanada por muito tempo. Ela conseguiu um apartamento da CDHU após mais de uma década cadastrada no programa. Apesar da localização na Cidade Líder, na Zona Leste — a mais de 20 km de seu emprego — Francisca se mostra grata pelo novo lar, embora já cogite buscar trabalho mais próximo.
Ela destaca, no entanto, que sente falta da rede de apoio que tinha na favela, como amigas próximas e projetos sociais que ofereciam doações e serviços. Ainda assim, conseguiu matricular as filhas em escolas da região e encara essa nova fase com esperança.
“Quem faz o lugar é a gente. Se eu tiver um teto para minhas filhas e comida para elas, está tudo bem”, afirmou.
Vida nova, mesmos desafios
Ângelo Batista, 27, também deixou o Moinho, onde cresceu, e se mudou com os filhos gêmeos e dois gatos para um imóvel da CDHU. Segundo ele, o medo constante de incêndios e escorpiões pesou na decisão. Sua mãe perdeu tudo em quatro incêndios enquanto moravam na comunidade.
Com salário mínimo e a responsabilidade de cuidar das crianças, ele optou por um condomínio mais acessível, mesmo distante do Centro. Antes da mudança, Ângelo matriculou os filhos na escola local e já os inseriu em atividades sociais do bairro. Para ele, o maior alívio foi garantir segurança e um quarto separado para os filhos.
“A fiação lá era muito ruim. Escorpião aparecia até no sofá. Aqui está bem melhor”, comentou.
Resistência à saída
Apesar dos avanços, muitos moradores ainda resistem à remoção. Francisca relata que amigas próximas permanecem na comunidade por se sentirem donas do espaço que construíram ao longo dos anos — mesmo que sem documentos legais. Para essas pessoas, deixar o Moinho é abandonar uma história de luta.
A CDHU afirma ter feito 13 reuniões com os moradores, com participação da Defensoria Pública, lideranças locais e representantes do governo federal e da prefeitura. No entanto, a proposta de financiamento habitacional — que exige o comprometimento de 20% da renda familiar por até 30 anos — é vista por parte da comunidade como inviável.
Além disso, muitas famílias consideram os apartamentos pequenos para suas necessidades, e o número de unidades prontas no Centro é baixo: das 1.047 prometidas, apenas 68 estão disponíveis para ocupação imediata.
Conflitos e protestos
Desde o início das remoções, a comunidade vive um clima de tensão. Francisca relata episódios de repressão policial durante ações de desocupação, com uso de spray de pimenta e barreiras que a impediram até de sair para o trabalho.
“A polícia gritava que ninguém podia sair. Minhas filhas nem foram para a escola. Passei a noite passando mal”, disse.
Na última segunda-feira (12), o governo estadual iniciou a demolição de imóveis desocupados, gerando protestos que paralisaram as linhas 7-Rubi e 8-Diamante da CPTM.
Influência do crime organizado
Investigações realizadas entre 2023 e 2024 revelaram que o Moinho abrigava uma base de monitoramento do Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo o Ministério Público, o local era equipado com tecnologia capaz de interceptar comunicações da polícia, permitindo que a facção controlasse a área e impusesse punições a quem violasse suas normas.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública garantiu que as ações das polícias Civil e Militar são integradas, com foco no combate ao crime e na proteção da população:
“Reforçamos nosso compromisso com a segurança e o respeito aos direitos dos cidadãos”, afirmou a SSP.